segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Repostando: Um dia comum.

Texto antigo, de fevereiro deste ano. Repostando porque foi um texto que achei bem bacana,para quem não conhece o blog talvez goste. E também é bom atualizar de vez em quando isso aqui, mesmo que seja para encher linguiça...



Alto, óculos escuros, terno elegante, sapatos caros. Parecia entediado, com uma mão no bolso e a outra segurando o guarda-chuva aberto sobre sua cabeça. Noite chuvosa. Não gostava muito de trabalhar daquela naquele clima.

Estava na calçada. No meio da rua havia um carro capotado e sendo devorado pelas chamas. Mais uma vez teria que agir rápido, senão o trabalho ficaria mais desagradável. Foi até lá normalmente, a rua escura iluminada pelo fogo. Com metade do corpo para fora do carro, um homem magro e careca parecia dormir tranqüilamente com a cabeça sangrando. Abaixou-se, segurou pelo colarinho do careca e o arrastou até a calçada.

- Acorda, bela adormecida - disse, dando pequenos tapas no careca que logo abria os olhos.
O tal sujeito acordou assustado, sem saber o que estava acontecendo. Levantou-se rapidamente, passando a mão pelo próprio corpo para ver se estava tudo em ordem. Respirou aliviado.

- Oh, Deus, muito obrigado! Mas... ei... quem é você? Você me tirou dali?

- Pode-se dizer que sim - falou, colocando um cigarro na boca e o acendendo com um isqueiro de prata.

- Obrigado, de verdade, muito obrigado! Posso fazer algo por você? Tenho muito dinheiro, se você precisar...

- Não quero dinheiro.
O careca olhou para o homem, estranhando-o. Quem, em sã consciência, não gostaria de receber dinheiro?

- O que você quer?

- Cumprir meu trabalho, minhas obrigações.
Fumava o cigarro sem tragar, deixando a fumaça sair pelas narinas.

- Você me salvou, merece alguma recompensa - insistiu, agora temendo que o tal homem lhe fizesse algum mal.

- Não te salvei, amigo. Olhe para trás.

A visão de si morto deve ser realmente chocante. Se ainda estivesse vivo o careca provavelmente teria sofrido um ataque cardíaco. Se perguntava o que estava acontecendo. Olhava para os lados e entendia tudo menos ainda.


- Quem é você?

- Sou a Morte, careca. Chegou a hora.

Desesperado, o careca apenas partiu numa corrida sem rumo pela rua. Respirava, sentia a chuva e os pés sobre o asfalto. Parecia mais vivo do que nunca. Mas, afinal de contas... qual era o seu nome? Quem era? O que havia acontecido antes de acordar na calçada? Percebeu, então, que desde aquele momento em que fora arrastado suas lembranças começavam a desaparecer. Olhou para trás e não via mais a Morte, porém, ao olhar novamente para frente, esbarrou nela. Fugir do inevitável seria uma tolice.

- É sempre a mesma coisa, puta merda! Vocês vêm, morrem e não aceitam. Isso realmente me entristece - o tom da Morte era sarcástico, debochando do careca. - E o pior de tudo que ainda me fazem parecer o vilão da história.

Talvez pela primeira vez naquela noite, ali, sentado no chão molhado, começava a raciocinar. Esfregava a testa tentando tirar alguma lembrança dali. Nada. Encarando a Morte nos olhos, finalmente se ergueu como homem. Ajeitou a roupa, enguliu a seco e finalmente criou coragem para perguntar:

- Para onde eu vou?

- Você? Não faço a mínima idéia. Eu vou para aquele bar de strippers no fim da rua. Au revoir, mon ami!

Então a Morte lhe deu as costas. As lembranças se perdiam cada vez mais. Perguntava-se o que havia ocorrido nos últimos minutos, então já havia esuqecido tudo e seu "corpo" se desfazia com o vento.

No local do acidente os paramédicos e a perícia estavam armando todo o circo. Apesar de tudo, todos pareciam ignorar um homem tão alto quanto a Morte. Vestia um terno branco e andava em passos calmos sob a chuva.

Numa maca, o corpo seria levado ao hospital. Mas então o homem de terno branco, enquanto acompanhava a maca, aproximou os lábios ao ouvido do careca, sussurrando algo para então desaparecer no meio de uma multidão.

Longe dali, numa colina, estava a Morte observando a cidade. Ao seu lado, a Vida.

- Olá, bom samaritano. Desfilando e levando uma nova vida à minha freguesia?

- Eles são fracos. Você leva, eu trago - a Vida possuía um tom de voz calmo e paciente.

- Somos as únicas certezas desses pobres coitados. Você os acompanha por anos e nunca sobra tempo para eu me divertir.

- É você que sempre estraga os meus planos.

4 comentários:

Inez disse...

Interessante seu texto, um pouco mórbido.
A morte é a única coisa na vida que temos certeza.

Zélia Bromélia disse...

Adoro esse texto. Já tinha lido antes, mas acho ele muito, muito bom.

Bianca Mól disse...

Oi Pedro!

Esse jeito de lidar com a morte é estranho! Realmente, mórbido, como disse a Inez. ahah

Beijos,
Bianca

jerson disse...

oi pedro, texto muito bom, morte né.
o tema em si não me interessou mas a maneira como desenrolou foi muito boa.
terça feira dia 22 de 12 vou começar escrevendo uma história em meu blog meio que drama, espero que vc leia e goste se num for pedir muito.
é boa garanto =D